Bem aventurados os que choram, porque serão consolados
Enquanto nos julgarmos ricos de bens terrenos ou de conhecimentos, não poderemos progredir espiritualmente. Quando sentirmos que somos pobres em espírito, quando nos afligirmos por não termos percebido a verdade de Deus – somente então seremos consolados. Sem dúvida que todos nós choramos – mas por quê? Pela perda de prazeres e de posses terrenos. Mas, não é desse tipo de lamento que Cristo fala. O lamento que Cristo chama de “abençoado” é bastante raro, porquanto nasce de um sentimento de perda espiritual, de solidão espiritual. É um lamento que surge necessariamente antes que Deus nos console. A maioria de nós está inteiramente antes que Deus nos console. A maioria de nós está inteiramente satisfeita com a vida superficial que leva. No fundo de nós, talvez tenhamos consciência de que nos falta algo, mas agarramo-nos ainda na esperança de que essa falta possa ser preenchida pelos objetos sensíveis deste mundo.
Sri Ramakrishna costumava dizer: “As pessoas derramam rios de lágrimas porque um filho não nasceu ou porque um filho não nasceu ou porque não conseguiram ficar ricas. Quem, entretanto, verte sequer uma lágrima por não ter visto Deus?”
Este falso sentido de valores é resultado da nossa ignorância. No tocante à natureza dessa ignorância, o filósofo indiano Sankara dizia que o sujeito, o cognocente (o Eu ou o Espírito), opõe-se tanto ao objeto, o conhecido (não-Eu ou matéria), como a luz se opõe às trevas. No entanto, por influência de maya – o poder inexplicável da ignorância – sujeito e objeto misturam-se a tal ponto que, em geral, o homem identifica o Eu com o não-Eu. É muito fácil entender intelectualmente que o Eu verdadeiro é diferente do corpo, da mesma forma que somos diferentes da roupa que vestimos. Todavia, quando o corpo adoece, dizemos: “Estou doente.” Intelectualmente, podemos entender que o verdadeiro Eu é diferente da mente. Mas, se temos uma alegria ou um sofrimento, dizemos: “Estou feliz”, ou “Sou um miserável.” Além disso, identificamo-nos com os nossos parentes e amigos: algo que aconteceu a eles parece estar acontecendo a nós. Identificamo-nos com as nossas posses. Se perdemos nossas riquezas, sentimo-nos como se perdêssemos a nós mesmos. Essa ignorância é comum a toda a humanidade. Somente o conhecimento direto de Deus pode removê-la. Quando começamos a sentir uma ausência espiritual dentro de nós, quando começamos a lamentar como o Cristo queria que lamentássemos, quando vertemos pelo menos uma lágrima por Deus – então estamos preparando o caminho para o consolo daquele conhecimento divino.
A espécie de lamento que Cristo chamava de bem-aventurado vem expresso na Imitação de Cristo:
“Ó meu Deus, quando poderei ser um contigo e fundir-me em teu amor, a ponto de me esquecer por inteiro de mim mesmo? Sê tu em mim, e eu em ti; e concede que possamos permanecer assim, sempre juntos num só.”
É preciso que atinjamos esse estágio, quando sentirmos que nada mais nos dá paz, a não ser a visão de Deus. Então Deus atrai a mente do homem para si como um imã atrai a agulha – e o consolo chega.
Fonte: extraído do livro “O Sermão da Montanha segundo o Vedanta”, de Swami Prabhavananda. Editora Pensamento.
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