“Oro de joelhos, Senhor, na terra
Purificada pelo teu pranto. . .
Minh’alma triste que a dor aterra
Beija os teus passos, Cordeiro santo!
Eu tenho medo de tanto horror. . .
Reza comigo, doce Senhor!
Que noite negra, cheia de sombras.
Não foi a noite que aqui passaste?
Ó noite imensa. . . por que me assombra.”
Tu que nas trevas me sepultaste?
Jesus amado, reza comigo. . .
Afasta a noite, divino amigo!
Eu disse. . . e as sombras se dissiparam.
Jesus descia sôbre o meu Horto. . .
:Estrêlas lindas no céu brilharam,
Voltou-me o riso, já quase morto.
E a sua bôca falou tão doce,
Como se a corda de um’harpa fosse:
“Filha adorada que o teu gemido
Ergueste n’asa de uma oração,
Na treva escura sempre envolvido,
Por que soluça teu coração?
Levanta os olhos para o meu rosto,
Que à vista dele foge o Desgosto.
Não tenhas medo do sofrimento.
Ele é a escada do Paraíso. . .
Contempla os astros do firmamento,
Doces reflexos de meu sorriso.
Não pensa em dores nem canta mágoas,
A garça nívea fitando as águas.
Sigo-te os passos por toda parte,
Vivo contigo como um irmão.
Acaso posso desamparar-te
Quando me trazes no coração?
Nas oliveiras do mesmo Horto,
Enquanto orares, terás conforto.
Olha as estrelas. ., no céu escuro
Parecem sonhos amortalhados. . .
Assim, nas trevas do mundo impuro,
Brilham as almas dos desolados.
Mesmo das noites a mais sombria
Sempre conduz-nos à luz do dia.”
Ergui os olhos para o céu lindo:
Vi-o boiando num mar de luz. . .
E, então, minh’alma num gôzo infindo,
Chorando e rindo, disse a Jesus:
“Guia o meu passo, nos bons caminhos,
Na longa estrada cheia de espinhos.
Dá-me nas noites, negras de dores,
Uma Cruz santa para adorar,
E em dias claros, cheios de flôres,
Uma criança para beijar.
Junta os meus sonhos, no azul dispersos,
Desce os teus olhos sôbre os meus versos. . .
E vós, amigos tão carinhosos,
Irmãos queridos que me adorais
E nos espinhos tão dolorosos
De minha estrada também pisais. . .
Velai comigo, longe da luz,
Que já levantam a minha Cruz.
A hora triste já vem chegando
De nossa longa separação. . .
Que lança aguda vai traspassando
De lado a lado meu coração!
Não adormeçam, meus bem-amados,
Já vejo os cravos ensangüentados.
Longe, bem longe, naquele monte,
Não brilha um astro de luz divina?
É o diadema de minha fronte,
É a esperança que me ilumina!
A Cruz bendita, que aterra o vício,
Fogueira ardente do sacrifício.
Adeus, da vida sagrados laços. . .
Adeus, ó lírios de meu sacrário!
A Cruz, no monte, mostra-me os braços. . .
Eu vou subindo para o Calvário.
Ficai no vale, pobres irmãos,
Da vovozinha beijando as mãos
E se ela, inquieta, com a voz tremente,
Ouvindo as aves pela manhã,
Interrogar-vos ansiosamente:
”’Que é do sorriso de vossa irmã?”
Dizei, alegres: foi passear. . .
Foi colhêr flôres para o Altar.”
E, quando a tarde vier deixando
Nos lábios todos saudosos ais,
E a pobre santa falar chorando:
“A minha neta não volta mais?”
Dizei, sem prantos: “A tarde é linda. . .
Anda nos campos, brincando ainda.”
Livrai su’alma do frio açoite
Das ventanias que traz o Inverno. . .
Cerrai-Ihe os olhos, na grande noite,
Na noite imensa do sono eterno.
Anjo da guarda, de rosto ameno,
Mostra-me o trilho do Nazareno. . .
E… adeus, ó lírios do meu sacrário,
Que eu vou subindo para o Calvário!
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