Os adeptos sinceros do Espiritismo mais que nunca carecem de abordar com fraqueza o velho problema da hipocrisia humana. Nesse particular, seria muito proveitoso que as agremiações doutrinárias promovessem debates grupais acerca dos caminhos e desafios que enfrentamos todos nós, os que decidimos por uma melhoria moral no reino do coração.
Hipocrisia é o hábito humano adquirido de aparentar o que não somos, em razão da necessidade de aprovação do grupo social em que convivemos. Intencional ou não, é um fenômeno profundo nas suas raízes emocionais e psíquicas, que envolve particularidades específicas a cada criatura, mas que podemos conceituar como a atitude de simular, antes de tudo para nós mesmos.
Não podemos asseverar que todo processo de defesa psíquica que vise negar a autêntica realidade humana seja algo patológico e nocivo. Muitas almas não teriam a mínima saúde mental não fossem semelhantes recursos que, em muitas ocasiões, funcionam como um “escudo protetor” que vai levando a criatura, pouco a pouco, ao conhecimento doloroso da verdadeira intimidade, até ter melhores e mais seguros recursos de libertação e equilíbrio.
As vivências sociais humanas com suas exigências materialistas conduziram o homem à aprendizagem da hipocrisia. A substituição de sentimentos foi um fenômeno adquirido. O hábito de camuflar o que se sente tornou-se uma necessidade perante grupos, e certas concepções foram desenvolvidas nesse contexto que estimulam a falsidade.
Tudo isto vêm sofrendo drásticas reformulações para um progresso das comunidades em direção a um dia mais feliz e pleno de autenticidade nas atividades humanas.
Nada mais fizemos que caminhar para nossa hominização, ou seja, largar a selvageria instinta e galgar os degraus da humanização – o núcleo central do aprendizado na fase hominal, a qual estamos apenas penetrando.
Adquirir essa consciência de que a evolução não se faz aos saltos, e sim etapa, é um valoroso passo na libertação desse “vício de santificação”, essa necessidade neurótica que incutimos ao longo de eras sem fim, especialmente nas leiras religiosas, com o qual queremos passar por aquilo que ainda não somos. Disso resulta o conflito, a dor, a cobrança, o perfeccionismo e todo um complexo de atitudes de auto-desamor.
Sejamos nós mesmos e não nos sintamos menores por isso. Aparentar santificação para o mundo não nos exonera da equânime realidade dos princípios universais. Ninguém escapa das leis criadas pelo Criador. A elas todos estamos submetidos.
Se acreditarmos, portanto, na imortalidade e sabemos da existência dessas “leis-espelho”, deveríamos então concluir que o quanto antes, para aqueles que se encontram na carne, tratarmos nossa realidade sem medos e culpas, maior será o bem que fazemos a nós mesmos.
Aprendamos o quanto antes a cultivar essa “sensação de salvação”, experimentada nos serviços de doação, também em nossos momentos de auto-encontro. Essa conquista realmente nos pertence e ninguém nos pode tirar em tempo algum.
Espíritas amigos e irmãos, lembrai-vos de que todos estamos na Terra, planeta de testes infindáveis ao nosso aperfeiçoamento. Mesmo os que nos encontramos fora do corpo ajustamo-nos a essa conotação evolutiva. E nessa conjuntura o caminho da santificação se amolda à realidade do homem que nela habita. Se, por agora, estivermos pelo menos nos esforçando para sair do mal que fazemos a nós e ao próximo, dirigimo-nos para essa proposta sagrada. Todavia, se ansiamos por concretizar em mais larga escala as luzes de nossa santificação, lancemo-nos com louvor a outra etapa do processo e aprendamos como criar todo o bem que pudermos em torno de nossos passos, soltando-nos definitivamente de todos os grilhões do terrível sentimento do fingimento, o qual ainda nos faz sentir que somos aquilo que supomos ser.
Fonte: extraído do livro “Reforma Íntima sem Martírio”, de Wanderley S. de Oliveira, pelo espírito Ermance Dufaux. Editora INEDE.
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