É em vão que se aponta o esquecimento como um obstáculo ao aproveitamento da experiência das existências anteriores.
Se Deus considerou conveniente lançar um véu sobre o passado, é que isso deve ser útil.
Com efeito, a lembrança do passado traria inconvenientes muito graves.
Em certos casos, poderia humilhar-nos estranhamente, ou então exaltar o nosso orgulho, e por isso mesmo dificultar o exercício do nosso livre arbítrio.
De qualquer maneira, traria perturbações inevitáveis às relações sociais.
O Espírito renasce frequentemente no mesmo meio em que viveu, e se encontra em relação com as mesmas pessoas, a fim de reparar o mal que lhes tenha feito.
Se nelas reconhecesse as mesmas que havia odiado, talvez o ódio reaparecesse.
De qualquer modo, ficaria humilhado perante aquelas pessoas que tivesse ofendido.
Deus nos deu, para nos melhorarmos, justamente o que necessitamos e nos é suficiente: a voz da consciência e as tendências instintivas; e nos tira o que poderia prejudicar-nos.
O homem traz, ao nascer, aquilo que adquiriu.
Ele nasce exatamente como se fez.
Cada existência é para ele um novo ponto de partida.
Pouco lhe importa saber o que foi: se estiver sendo punido, é porque fez o mal, e suas más tendências atuais indicam o que lhe resta corrigir em si mesmo.
É sobre isso que ele deve concentrar toda a sua atenção, pois daquilo que foi completamente corrigido já não restam sinais.
As boas resoluções que tomou são a voz da consciência, que o adverte do bem e do mal e lhe dá a força de resistir às más tentações.
De resto, esse esquecimento só existe durante a vida corpórea.
Voltando à vida espiritual, o Espírito reencontra a lembrança do passado.
Trata-se, portanto, apenas de uma interrupção momentânea, como a que temos na própria vida terrena, durante o sono, e que não nos impede de lembrar, no outro dia, o que fizemos na véspera e nos dias anteriores.
Da mesma maneira, não é somente após a morte que o Espírito recobra a lembrança do passado. Pode dizer-se que ele nunca a perde, pois a experiência prova que, encarnado, durante o sono do corpo, ele goza de certa liberdade e tem consciência de seus atos anteriores.
Então, ele sabe por que sofre, e que sofre justamente.
A lembrança só se apaga durante a vida exterior de relação.
A falta de uma lembrança precisa, que poderia ser-lhe penosa e prejudicial às suas relações sociais, permite-lhe haurir novas forças nesses momentos de emancipação da alma, se ele souber aproveitá-los.
Fonte: O Evangelho Segundo o Espiritismo, Allan Kardec, tradução de José Herculano Pires.
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